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História

História da Raça Guzerá

A história do Kankrej, ou Guzerá, perde-se na origem da humanidade, tendo sido encontrados selos impressos em cerâmica e em terracota nos sítios arqueológicos de Mohenjo-Daro e Harappa, na Índia e Paquistão; e sua imagem em peças diversas nas regiões da antiga Assíria e Mesopotâmia. O museu de Bagdá, no Iraque, apresenta muitas peças e artefatos de ouro com a imagem do touro Guzerá, exatamente como ele é hoje. Tudo indica que o Kankrej era personagem importante nas pelejas, nos transportes e nas caçadas da antiga Mesopotâmia. Olver (1938 e Joshi & Phillips (1954) concordam que o Guzerá já estava no vale do Indo, quando as últimas tribos de arianos invadiram a Índia, por volta de 1.500 a.C.

Hoje, a efígie do Guzerá é distintivo do próprio Ministério de Agricultura da Índia e é apontada como sendo “melhoradora das demais raças”. O hábitat do Guzerá é a região predesértica de kutch, em Gujarat, seqüenciado ao norte pelo deserto de Thar e pelo deserto de Sind. No Brasil, o Guzerá está espalhado por várias regiões mas é notória sua presença na região nordestina, onde foi a única raça que sobreviveu, produtivamente, durante os cinco anos consecutivos de seca (1978-1983), além de ter enfrentado também outras secas históricas (1945, 1952, etc). Também é muito criada no Rio de Janeiro – onde constituiu o primeiro núcleo de Zebu no país – em Minas Gerais, São Paulo e Goiás, e vem se expandindo para todas as regiões, com notáveis resultados.

A Consolidação do Guzerá no Brasil

Foi a primeira raça zebuína a chegar ao Brasil, entre as que persistem . A raça foi trazida da Índia, na década de 1870, pelo Barão de Duas Barras, logo dominando a pecuária nos cafezais fluminenses. Surgia como solução para arrastar os pesados carroções e até vagões para transporte de café, nas íngremes montanhas, e também para produzir leite e carne. Com a abolição da escravidão, em 1888, os cafezais fluminenses entraram em decadência, levando os fazendeiros a buscar maior proveito do gado, por meio da seleção das características leiteiras e cárneas. Os criadores de Guzerá foram os apologistas das vantagens e virtudes do gado, enfrentando a “guerra contra o Zebu”, promovida por cientistas paulistas e estimulada pelo Governo Federal, ao mesmo tempo que abasteciam o Triângulo Mineiro, onde iria se sediar a futura “meca do Zebu”.

O Guzerá foi a raça de maior contingente até o inicio da década de 1920, quando surgiu a raça “Indubrasil”, produto da infusão de sangue Gir sobre o mestiço “GuzoneL” (Guzerá x Nelore). Seu reinado, portanto, durou mais de 50 anos Nenhuma outra raça zebuina teve um reinado tão longo, depois do Guzerá, até hoje! A partir dessa data, as fêmeas Guzerá eram adquiridas para formar a nova raça promovida no Triângulo Mineiro, culminando em uma autêntica “caçada”, resultando na decadência da raça. Apenas dois criadores sustentaram o Guzerá nesse período:João de Abreu Júnior, em Cantagalo, RJ e Cristiano Penna, em Curvelo, MG.

Mesmo com poucos criadores no país, o Guzerá manteve sua presença nas exposições nacionais e brilhava em concursos leiteiros. Na Exposição Nacional de 1936, venceu as campeãs das raças holandesa, Jersey e Guernsey, provocando entusiasmo no então presidente Getúlio Vargas. Foi a raça escolhida para diversas exportações, estando presente em duas dezenas de países, e também para implantação nos núcleos de desbravamento governamental, tais como “Projeto Radambrasil”, escolas agrícolas, postos indígenas, etc.

Depois da importação de 1962/63, o Guzerá ganhou novo impulso, principalmente quando a “Maldição dos 100 Anos liquidou grande parte do rebanho nordestino” (Grande Seca de 1978-1983, que se repete de 100 em 100 anos). Era comum ouvir a frase: “quando um Guzerá cai para morrer, todos os demais gados já morreram”. Nesse período, 70% do contingente da Exposição Nordestina era de Guzerá, pois somente esta raça continuava viva no sertão (Santos, 1998). Ao mesmo tempo, consolidava diversos cruzamentos de formação de raças bimésticas. Rapidamente, a fama como gado ideal para toda sorte de cruzamentos ganhou todo o território nacional.

Na década de 1990, o Guzerá passou a ser francamente utilizado como alternativa para formação da vaca da F-2 nos mais diversos cruzamentos de corte, abrindo horizontes que levam á crença de que será uma das mais vigorosas raças no inicio do novo milênio. Grandes e famosos criadores de Nelore passaram a criar Guzerá, para atender seus clientes, fornecendo possantes tourinhos “Guzonel” que são indicados para os cruzamentos indiscriminados com raças européias. Em dezenas de grandes leilões de Nelore ou mesmo de raças européias, vai crescendo a presença do Guzerá, atingindo bons preços (DBO, Jan/2000).

A Funcionalidade do Guzerá

O Guzerá é de dupla aptidão, com algumas linhagens definidas para leite e a maioria do gado selecionada para carne. Mesmo as linhagens de leite são de grande porte, tendo já registrado fêmeas, como Francesa-JA, com 853 kg de peso vivo e produção leiteira de 4.500 kg na lactação, ou Potinga-JA, com 750 kg de peso vivo e produção de 5.672 kg na lactação. Na idade adulta, as fêmeas pesam entre 450-650 kg, com recorde de 941 kg e muitos animais acima de 800 kg; os machos pesam entre 750-950kg, coM recordes ao redor de 1.150kg.

Continua em expansão o Programa de Melhoramento Genético do Guzerá para leite, utilizando a tecnologia MOET, em 2 centros. A produção média verificada em Controles Leiteiros Oficiais é de 2.535 kg, para 1.419 animas, até 1997. A maior produtora é “Maricota da Teotônio”, com 6.716 kg, seguida por várias outras acima de 6.000 kg. A raça Guzerá é famosa pelo teor de gordura no leite, consagrando-se “Faisca-JA” como maior produtora, com 14,5%, seguida por diversas outras que atingiram mais de 10,0% na produção diária.

Os resultados do Guzerá em termos de animal-de-corte são muito conhecidos, bastando observar os diversos cruzamentos obtidos corn a raça. Nas grandes extensões do Brasil Central ou do Centro-Oeste, a rusticidade e a habilidade maternal do Guzerá podem ser atributos valiosos, explicando sua crescente utilização.

O Guzerá nos cruzamentos leiteiros

A fêmea leiteira Guzerá apresenta um úbere muito bonito, na média. Os ligamentos são fortes, o úbere do Guzerá é constituído por uma pele fina e sedosa que, quando ordenhado, parece um saco murcho. De fato, o úbere do Guzerá encolhe e praticamente desaparece, como se a fêmea nada produzisse. Um bom exemplo parece ter sido o da vaca “Surpresa-JA” que, depois de viajar mais de 3.000 quilômetros, parecia que não tinha leite algum, no momento do Concurso. Muitos sugeriam não incluir a vaca, para não desprestigiar a raça mas o criador foi taxativo e incluiu a vaca que produziu 16,0 kg e venceu o Concurso, mesmo magra e cansada.

Tourinhos Guzerá são utilizados para consertar os úberes pendulosos e as tetas de tamanho exagerado das vacas leiteiras comuns. O touro Guzerá leiteiro é multo utilizado como alternativa zebuina nos cruzamentos onde já foi utilizado o touro Gir. Normalmente, utiliza-se o touro Holandês sobre vaca Gir, formando a novilha Girolando (F-1). Esta novilha tem duas alternativas: a) ser cruzada com um touro europeu (Holandês, Pardo-Suíço, etc) formando o % europeu ideal para regiões amenas; b) ser cruzada com touro zebuino (Guzerá leiteiro) formando o % zebu – ideal para regiões quentes.

Além desse cruzamento inicial, também o Guzerá leiteiro é francamente utilizado sobre vacada leiteira comum, formada pelo cruzamento de várlas raças, para garantir maior firmeza nos sustentáculos do úbere, nos quartos e nas tetas. Além disso, as crias serão de bom porte e multo rentáveis no abate.

Desde o inicio da história do Zebu no Brasil houve cruzamentos entre o Guzerá e as demais raças leiteiras existentes, destacando-se o Holandês, o Pardo-Suíço, o Red-Poli, e outras, bem como com raças de corte como o Durham, o Limousin, o Charolés, etc. Nunca houve, no entanto, um interesse em registrar esse tipo de gado cruzado que, hoje, é chamado de “Guzolando”.

No Nordeste, principalmente na região semi-árida, a maioria do gado leiteiro é formada pelo cruzamento de Guzerá com Pardo-Suíço ou com Holandês. Ninguém, no entanto, cogita em registrar as produções, pois a Inconstância climática é um forte desestimulante para as estatísticas.

Somente no ano de 1989 foi aprovado o Regulamento para formação do Guzolando (ou “Guzerando”, nome prontamente descartado). A sede da nova raça foi estabelecida em Brasília mas teve pouca atuação. Depois de um período de marasmo, em 1998, decidiu-se pela transferência da sede para a ACGB – Associação dos Criadores de Guzerá do Brasil, em Uberaba (MG).

Talvez o mais importante uso do touro Guzolado seja sobre vacada Girolanda, pois reforça os ligamentos do úbere, corrige o tamanho e direcionamento das tetas. Praticamente toda produção de Guzolando é adquirida por criadores de Girolando.

O touro Guzolando sobre vacada anelorada produz um magnífico resultado no abate. Também é muito utilizado como reprodutor na geração F-2 taurindica, para produção termina¡. O macho Guzolando (F-1) é excelente para o confinamento ou para ser mantido no campo.

O Guzolando é de grande porte, geralmente de pelagem preta ou vermelha, chifres curtos quando não-descornados até a Idade de 30 meses. O úbere é firme, de ligamentos poderosos, permitindo fácil produção acima de 7.000 kg. Principais regiões de Guzolando: Rio de Janeiro, Governador Valadares, Brasília, e todo o semi-árido nordestino, etc. Média de produção: 3.500-5.500 kg/ano com 4,5-5,5% de gordura.

O Guzerá Brasileiro para o Mundo

Foi o Guzerá que plasmou o gado norte-americano, bastando observar os principais reprodutores anotados no livro “A history of the American Brahman”, de Joe Akerman (1982), pela ABBA (American Brahman Breeders Association).

Mesmo na linhagem “Manso”, de fisionomia francamente anelorada, percebem-se os detalhes típicos do Guzerá nas arcadas, nos olhos, na fronte, nas orelhas, etc. Assim, não é exagerado afirmar que o touro “Manso” era um protótipo do moderno “Guzonel”. Assim como “Manso” e o principal alicerce do moderno Brahman mundial, o Brasil poderá engendrar outros “Mansos” com os eficientes resultados seletivos do moderno Nelore e Guzerá. Ou seja, é possível que no moderno Guzonel venha a surgir também um touro, ou muitos, tão exponencial como “Manso”, dessa vez no Brasil.

Outros países também apreciariam fazer a mesma tentativa, formando o “Guzonel” e selecionando em busca do surgimento de novos “Mansos”. Um formidável mercado para o Guzonel. Além de ser utilizado na formação do Brahman, o Guzerá tem sido bastante exportado para diversos países, tais como Estados Unidos, Costa Rica, Honduras, México, Nicarágua, Panamá, Venezuela, Colômbia, Equador, Paraguai, Costa do Marfim, Senegal, Angola, etc. Nestes países, o Guzerá tem servido vacadas de corte, tanto quanto vacadas de leite.

Quando a pecuária de corte mundial estiver “globalizada”, o Guzerá terá seu lugar como reprodutor eficaz nos programas de cruzamentos. A tendência da “globalização” na pecuária é irreversível. Modernamente, diversos países já utilizam o Guzerá brasileiro no melhoramento de suas vacadas, principalmente leiteiras (Colômbia, Senegal, México, Venezuela, etc).

Fonte: Os Cruzamentos na Pecuária Tropical – Ed. Agropecuária Tropical.